FUVEST 2015 – Questão 37

Linguagens / Português
O OPERÁRIO NO MAR
 
Na rua passa um operário. Como vai firme! Não tem blusa. No conto, no drama, no discurso político, a dor do operário está na blusa azul, de pano grosso, nas mãos grossas, nos pés enormes, nos desconfortos enormes. Esse é um homem comum, apenas mais escuro que os outros, e com uma significação estranha no corpo, que carrega desígnios e segredos. Para onde vai ele, pisando assim tão firme? Não sei. A fábrica ficou lá atrás. Adiante é só o campo, com algumas árvores, o grande anúncio de gasolina americana e os fios, os fios, os fios. O operário não lhe sobra tempo de perceber que eles levam e trazem mensagens, que contam da Rússia, do Araguaia, dos Estados Unidos. Não ouve, na Câmara dos Deputados, o líder oposicionista vociferando. Caminha no campo e apenas repara que ali corre água, que mais adiante faz calor. Para onde vai o operário? Teria vergonha de chamá-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca. E me despreza... Ou talvez seja eu próprio que me despreze a seus olhos. Tenho vergonha e vontade de encará-lo: uma fascinação quase me obriga a pular a janela, a cair em frente dele, sustar-lhe a marcha, pelo menos implorar-lhe que suste a marcha. Agora está caminhando no mar. Eu pensava que isso fosse privilégio de alguns santos e de navios. Mas não há nenhuma santidade no operário, e não vejo rodas nem hélices no seu corpo, aparentemente banal. Sinto que o mar se acovardou e deixou-o passar. Onde estão nossos exércitos que não impediram o milagre? Mas agora vejo que o operário está cansado e que se molhou, não muito, mas se molhou, e peixes escorrem de suas mãos. Vejo-o que se volta e me dirige um sorriso úmido. A palidez e confusão do seu rosto são a própria tarde que se decompõe. Daqui a um minuto será noite e estaremos irremediavelmente separados pelas circunstâncias atmosféricas, eu em terra firme, ele no meio do mar. Único e precário agente de ligação entre nós, seu sorriso cada vez mais frio atravessa as grandes massas líquidas, choca-se contra as formações salinas, as fortalezas da costa, as medusas, atravessa tudo e vem beijar-me o rosto, trazer-me uma esperança de compreensão. Sim, quem sabe se um dia o compreenderei?
(Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do Mundo.)
Dentre estas propostas de substituição para diferentes trechos do texto, a única que NÃO está correta do ponto de vista da norma-padrão é:
a) “Para onde vai ele, (…)?” = Aonde vai ele, (…)?
b) “O operário não lhe sobra tempo de perceber” = Ao operário não lhe sobra tempo de perceber.
c) “Teria vergonha de chamá-lo meu irmão” = Teria vergonha de chamá-lo de meu irmão.
d) “Tenho vergonha e vontade de encará-lo” = Tenho vergonha e vontade de o encarar.
e) “Quem sabe se um dia o compreenderei” = quem sabe um dia compreenderei-o.

Veja outras questões semelhantes:

FUVEST 2019 – Questão 26
A tabela lista características bióticas e abióticas associadas a alguns biomas brasileiros. ...
UERJ 2009 – Questão 6
Nos dois primeiros versos, a palavra "partido" é empregada com significados diferentes. Esta repetição produz, no texto, o seguinte sentido: a) revela o nível de alienação do sujeito poético b) reafirma a influência coletiva na esfera pessoal c) acrescenta elementos pessoais a um tema social d) projeta um sentimento de desencanto sobre a política
ENEM 2ed. Ling (91-135) e Mat (136-180) 2010 – Questão 117
​Diante do número de óbitos provocados pela gripe H1N1 – gripe suína – no Brasil, em 2009, o Ministro da Saúde fez um pronunciamento público na TV e no rádio. Seu objetivo era esclarecer a população e as autoridades locais sobre a...
FUVEST 2006 – Questão 98
Em um lago, estão presentes diversas espécies de animais, plantas, algas, protozoários, fungos e bactérias. O conjunto desses seres vivos constituia) uma cadeia alimentar.b) uma comunidade biológica. c) um ecossistema. d) uma população. e) uma sucessão ecológica.
FUVEST 2016 – Questão 74
O processo de industrialização que se efetivou em São Paulo a partir do século XX foi o indutor do processo de metropolização. A partir do final dos anos 1950, a concentração da estrutura produtiva e a centralização do capital em São Paulo...