UNIFESP port e inglês 2005 – Questão 16

Linguagens / Literatura / Modernismo Brasileiro: 3a Fase / Clarice Lispector
Amor
Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação. 
Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, mal-criados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida. 
Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo, seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem. 
No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. […]
Clarice Lispector
De acordo com o texto, pode-se afirmar que a personagem Ana
 
a) sintetiza as qualidades da mulher burguesa e rica, que se responsabiliza pelo lar e em momento algum questiona suas atribuições.
b) é símbolo da mãe e da esposa de classe baixa, que vê nas tarefas do lar a verdadeira forma de ser feliz, mas almeja ser independente.
c) representa a mulher de classe média que cuida de suas tarefas, mas não sente prazer nisso, pois é incomodada por sua família.
d) é produto de uma sociedade feminista, o que se pode confirmar pela autonomia que tem para realizar suas tarefas.
e) constitui a referência do lar de classe média, no qual tem como missão a tarefa de organizá-lo e de cuidar dos familiares.

Veja outras questões semelhantes:

UNIFESP port e inglês 2005 – Questão 18
“Certa hora da tarde era mais perigosa.” De acordo com o texto, essa informação deve ser entendida como ...
FUVEST 2009 – Questão 14
Prefixos que têm o mesmo sentido ocorrem nas seguintes palavras do texto: a) íntima / agremia. b) resiste / deslizam. c) desprazeres / indissolúvel. d) imperturbável / transforma. e) revelado / persiste.
UNESP 2012 – Questão 17
Ter como professores Shakespeare e Sófocles, Dostoievski e Proust não é tirar proveito de um ensino excepcional? Esta questão levantada por Todorov, no contexto do terceiro parágrafo, significa: ...
UNIFESP port e inglês 2014 – Questão 30
A alternativa em que o enunciado está de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa e coerente com o sentido do texto é: ...
ENEM Linguagens e Humanas 2ª Aplicação - PPL 2018 – Questão 39
Ela parecia pedir socorro contra o que de algum modo involuntariamente dissera. E ele com os olhos miúdos quis que ela não fugisse e falou: ...