Cumpridos dez anos de prisão por um crime que não pratiquei e do qual, entanto, nunca me defendi, morto para a vida e para os sonhos: nada podendo já esperar e coisa alguma desejando – eu venho fazer enfim a minha confissão: isto é, demonstrar a minha inocência.
Talvez não me acreditem. Decerto que não me acreditam. Mas pouco importa. O meu interesse hoje em gritar que não assassinei Ricardo de Loureiro é nulo. Não tenho família; não preciso que me reabilitem. Mesmo quem esteve dez anos preso, nunca se reabilita. A verdade simples é esta.
E àqueles que, lendo o que fica exposto, me perguntarem: "Mas por que não fez a sua confissão quando era tempo? Por que não demonstrou a sua inocência ao tribunal?”, a esses responderei: – A minha defesa era impossí- vel. Ninguém me acreditaria. E fora inútil fazer-me passar por um embusteiro ou por um doido... Demais, devo confessar, após os acontecimentos em que me vira envolvido nessa época, ficara tão despedaçado que a prisão se me afigurava uma coisa sorridente. Era o esquecimento, a tranquilidade, o sono. Era um fim como qualquer outro – um termo para a minha vida devastada. Toda a minha ânsia foi pois de ver o processo terminado e começar cumprindo a minha sentença.
De resto, o meu processo foi rápido. Oh! o caso parecia bem claro... Eu nem negava nem confessava. Mas quem cala consente.” E todas as simpatias estavam do meu lado.
O crime era, como devem ter dito os jornais do tempo, um “crime passíonal”, Cherchez la femme", Depois, a vítima um poeta – um artista. A mulher romantizara-se desaparecendo. Eu era um herói, no fim de contas. E um herói com seus laivos de mistério, o que mais me aureolava. Por tudo isso, independentemente do belo discurso de defesa, o júri concedeu-me circunstâncias atenuantes. E a minha pena foi curta.
Ah! foi bem curta – sobretudo para mim... Esses dez anos esvoararn-se-me como dez meses. É que, em realidade, as horas não podem mais ter ação sobre aquelesque viveram um instante que focou toda a sua vida. Atingido o sofrimento máximo, nada já nos faz sofrer. Vibradas as sensações máximas, nada já nos fará oscilar. Simplesmente, este momento culminante raras são as criaturas que o vivem. As que o viveram ou são, como eu, os mortos-vivos, ou – apenas – os desencantados que, muita vez, acabam no suicídio .
• Cherchez la femme: Procurem a mulher.
(Mário de Sá-Carneiro. A confissão de Lúcio. 2011.)
Verifica-se a ocorrência de objeto direto pleonástico em:
a) “As que o viveram ou são, como eu, os mortos-vivos, ou – apenas – os desencantados”
b) “Esses dez anos esvoaram-se-me como dez meses.”
c) “Por tudo isso, independentemente do belo discurso de defesa, o júri concedeu-me circunstâncias atenuantes.”
d) “Simplesmente, este momento culminante raras são as criaturas que o vivem.”
e) “Atingido o sofrimento máximo, nada já nos faz sofrer.”