Sou feliz pelos amigos que tenho. Um deles muito sofre pelo meu descuido com o vernáculo. Por alguns anos ele sistematicamente me enviava missivas eruditas com precisas informações sobre as regras da gramâtica, que eu não respeitava, e sobre a grafia correta dos vocâbulos, que eu ignorava. Fi-lo sofrer pelo uso errado que fiz de uma palavra num desses meus badulaques. Acontece que eu, acostumado a conversar com a gente das Minas Gerais, falei em “varreção” - do verbo “varrer”. De fato, trata-se de um equívoco que, num vestibular, poderia me valer uma reprovação. Pois o meu amigo, paladino da língua portuguesa, se deu ao trabalho de fazer um xerox da pâgina 827 do dicionârio, aquela que tem, no topo, a fotografia de uma “varroa” (sic!) (você não sabe o que é uma “varroa”?) para corrigir-me do meu erro. E confesso: ele estâ certo. O certo é “varrição” e não “varreção”. Mas estou com medo de que os mineiros da roça façam troça de mim porque nunca os vi falar de “varrição”. E se eles rirem de mim não vai me adiatar mostra-lhes o xerox da pâgina do dicionârio com a “varroa” no topo. Porque para eles não é o dicionârio que faz a língua. É o povo. E o povo, lâ nas montanhas de Minas Gerais, fala “varreção” quando não “barreção”. O que me deixa triste sobre esse amigo oculto é que nunca tenha dito nada sobre o que eu escrevo, se é bonito ou se é feio. Toma a minha sopa, não diz nada sobre ela mas reclama sempre que o prato estâ rachado.
ALVES, R. Mais badulaques.
São Paulo: Parábola, 2004 (fragmento).
De acordo com o texto, após receber a carta de um amigo “que se deu ao trabalho de fazer um xerox da pâgina 827 do dicionârio” sinalizando um erro de grafia, o autor reconhece
a) a supremacia das formas da língua em relação ao seu conteúdo.
b) a necessidade da norma padrão em situações formais de comunicação escrita.
c) a obrigatoriedade da norma culta da língua, para a garantia de uma comunicação efetiva.
d) a importância da variedade culta da língua, para a preservação da identidade cultural de um povo.
e) a necessidade do dicionârio como guia de adequação linguística em contextos informais privados.