UERJ 2006 – Questão 11

Linguagens / Português / Língua e Funções / Interpretação de texto
Nem a Rosa, Nem o Cravo
 
As frases perdem seu sentido, as palavras perdem  sua significação costumeira, como dizer das árvores  e das flores, dos teus olhos e do mar, das canoas e do cais, das borboletas nas árvores, quando as crianças são assassinadas friamente pelos nazistas? 
Como falar da gratuita beleza dos campos e das cidades, quando as bestas soltas no mundo ainda destroem os campos e as cidades?
Já viste um loiro trigal balançando ao vento? É das coisas mais belas do mundo, mas os hitleristas e seus cães danados destruíram os trigais e os povos morrem de fome. Como falar, então, da beleza, dessa beleza simples e pura da farinha e do pão, da água da fonte, do céu azul, do teu rosto na tarde? 
Não posso falar dessas coisas de todos os dias, dessas alegrias de todos os instantes. Porque elas estão perigando, todas elas, os trigais e o pão, a farinha e a água, o céu, o mar e teu rosto. (...) Sobre toda a beleza paira a sombra da escravidão1. É como uma nuvem inesperada num céu azul e límpido. Como então encontrar palavras inocentes, doces palavras cariciosas, versos suaves e tristes? Perdi o sentido destas palavras, destas frases, elas me soam como uma traição neste momento.
(...)
Mas eu sei todas as palavras de ódio e essas, sim, têm um significado neste momento. Houve um dia em que eu falei do amor e encontrei para ele os mais doces vocábulos2, as frases mais trabalhadas. Hoje só o ódio pode fazer com que o amor perdure  sobre o mundo3. Só o ódio ao fascismo, mas um ódio mortal, um ódio sem perdão, um ódio que venha do coração e que nos tome todo, que se faça dono de todas as nossas palavras, que nos impeça de ver qualquer espetáculo -  desde o crepúsculo aos olhos da amada -  sem que junto a ele vejamos o perigo que os cerca.
Jamais as tardes seriam doces e jamais as madrugadas seriam de esperança4. Jamais os livros diriam coisas belas, nunca mais seria escrito um verso de amor. 
Sobre toda a beleza do mundo, sobre a farinha e o pão, sobre a pura água da fonte e sobre o mar, sobre teus olhos também, se debruçaria a desonra que é o nazifascismo, se eles tivessem conseguido dominar o mundo. Não restaria nenhuma parcela de beleza, a mais mínima. Amanhã saberei de novo palavras doces e frases cariciosas. Hoje só sei palavras de ódio, palavras de morte. Não encontrarás um cravo ou  um a rosa, um a flor na minha literatura. Mas encontrarás um punhal ou um fuzil, encontrarás um a arma contra os inimigos da beleza, contra aqueles que amam as trevas e a desgraça, a lama e os esgotos, contra esses restos de podridão que sonharam esmagar a poesia, o amor e a liberdade!
 
(AMADO, Jorge. Folha da Manhã , 22/04/1945.)
O uso das palavras rosa e  cravo é recusado pelo enunciador do texto de Jorge Amado. 
Essa recusa ocorre, pois essas palavras assumem, no texto, o sentido de:
a) ameaça
b) alienação
c) infelicidade
d) cumplicidade
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