UNIFESP port e inglês 2005 – Questão 17

Linguagens / Literatura / Modernismo Brasileiro: 3a Fase / Clarice Lispector
Amor
Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação. 
Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, mal-criados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida. 
Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo, seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem. 
No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. […]
Clarice Lispector
No texto, afirma-se que Ana “plantara as sementes” e “E cresciam árvores”. Mais adiante: “Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela”. Essa última frase, tomada em conjunto com as anteriores, traz ao texto um tom de
a) comicidade.
b) profecia.
c) perplexidade.
d) ironia.
e) indignação.
Esta questão recebeu 1 comentário

Veja outras questões semelhantes:

ENEM PPL - Linguagens e Humanas 2023 – Questão 87
As propostas dele não devem ser levadas a sério, pois foi visto bêbado num restaurante. ...
ENEM 1ºAplicação - Linguagens e Humanas 2021 – Questão 40
Introdução a Alda ...
UFSCar - Por e Ing 2007 – Questão 7
A temática desse conto também é encontrada a) nos capítulos iniciais de Memórias póstumas de Brás Cubas. b) em alguns dos capítulos do romance Ressurreição. c) no capítulo Olhos de ressaca do romance Dom Casmurro. d) no romance Dom Casmurro, na caracterização de José Dias. e) na caracterização de Escobar, no romance Dom Casmurro.
UNIFESP s/ port e inglês 2008 – Questão 17
Analise a figura: A figura representa um cromossomo em metáfase mitótica. Portanto, os números I e II correspondem a: a) cromossomos emparelhados na meiose, cada um com uma molécula diferente de DNA. b) cromátides não-irmãs, cada uma com uma molécula idêntica de DNA. c) cromátides-irmãs, cada uma com duas moléculas diferentes de DNA. d) cromátides-irmãs, com duas moléculas idênticas de DNA. e) cromossomos duplicados, com duas moléculas diferentes de DNA.
Base dudow 2000 – Questão 47
Esse capítulo final de "Memórias Póstumas", o antológico das negativas, é exemplo cabal: a) Do cinismo do autor. b) Do pessimismo do autor. c) Do egoísmo do autor. d) Da hipocrisia do autor. e) Da dissimulação do autor.