UNESP 2011 – Questão 19

Linguagens / Português / Língua e Funções / Interpretação de texto
O Bumba-Meu-Boi
Entre os autos populares conhecidos e praticados no Brasil – pastoril, fandango, chegança, reisado, congada, etc. – aquele em que melhor o povo exprime a sua crítica, aquele que tem maior conteúdo jornalístico, é, realmente, o bumba-meu-boi, ou simplesmente boi.
Para Renato Almeida, é o “bailado mais notável do Brasil, o folguedo brasileiro de maior significação estética e social”. Luís da Câmara Cascudo, por seu turno, observou a sua superioridade porque “enquanto os outros autos cristalizaram, imóveis, no elenco de outrora, o bumba-meu-boi é sempre atual, incluindo soluções modernas, figuras de agora, vocabulário, sensação, percepção contemporânea. Na época da escravidão mostrava os vaqueiros escravos vencendo pela inteligência, astúcia e cinismo. Chibateava a cupidez, a materialidade, o  sensualismo de doutores, padres, delegados, fazendo-os cantar versinhos que eram confissões estertóricas. O capitão-do-mato, preador de escravos, assombro dos moleques, faz-sono dos negrinhos, vai ‘caçar’ os negros que fugiram, depois da morte do Boi, e em vez de trazê- os é trazido amarrado, humilhado, tremendo de medo. O valentão mestiço, capoeira, apanha pancada e é mais mofino que todos os mofinos. Imaginem a alegria negra, vendo e ouvindo essa sublimação aberta, franca, na porta da casa-grande de engenho ou no terreiro da fazenda, nos pátios das vilas, diante do adro da igreja! A figura dos padres, os padres do interior, vinha arrastada com a violência de um ajuste de contas. O doutor, o curioso, metido a entender de tudo, o delegado autoritário, valente com a patrulha e covarde sem ela, toda a galeria perpassa, expondo suas mazelas, vícios, manias, cacoetes, olhada por uma assistência onde estavam muitas vítimas dos personagens reais, ali subalternizados pela virulência do desabafo”.
Como algumas outras manifestações folclóricas, o bumba-meu-boi utiliza uma forma antiga, tradicional; entretanto, fá-la revestir-se de novos aspectos, atualiza o entrecho, recompõe a trama. Daí “o interesse do tipo solidário que desperta nas camadas populares”, como o assinala Édison Carneiro. Interesse que só pode manterse porque o que no auto se apresenta não reflete apenas situações do passado, “mas porque têm importância para o futuro”. Com efeito, tendo por tema central a morte e a ressurreição do boi, “cerca-se de episódios acessórios, não essenciais, muito desligados da ação principal, que variam de região para região... em cada lugar, novos personagens são enxertados, aparentemente sem outro objetivo senão o de prolongar e variar a brincadeira”. Contudo, dentre esses personagens, os que representam as classes superiores são caricaturados, cobrindo-se de ridículo, o que torna “o folguedo, em si mesmo, uma reivindicação”.
Sílvio Romero recolheu os versos de um bumba-meu-boi, através dos quais se constata a intenção caricaturesca nos personagens do folguedo. Como o Padre, que recita:
 
Não sou padre, não sou nada
“Quem me ver estar dançando
Não julgue que estou louco;
Secular sou como os outros”
 
Ou como o Capitão-do-Mato que, dando com o negro Fidélis, vai prendê-lo
 
      “CAPITÃO – Eu te atiro, negro 
                            Eu te amarro, ladrão,
                       Eu te acabo, cão.”
Mas, ao contrário, quem vai sobre o Capitão e o amarra é o Fidélis
“CORO –  Capitão de campo
                      Veja que o mundo virou
                        Foi ao mato pegar negro
                         Mas o negro lhe amarrou.
CAPITÃO – Sou valente afamado
                       Como eu não pode haver;
                            Qualquer susto que me fazem
                      Logo me ponho a correr”.
 
(Luiz Beltrão. Comunicação e folclore. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1971.)
Aponte a alternativa que indica, entre os quatro termos relacionados a seguir, apenas os que, no fragmento apresentado, são empregados pelos folcloristas para referir-se ao bumba-meu-boi.
I. Bailado.
II. Ritual.
III. Brincadeira.
IV. Folguedo. 
a) I e II.
b) II e III.
c) I, II e III.
d) I, III e IV.
e) II, III e IV.
Esta questão recebeu 2 comentários

Veja outras questões semelhantes:

UNESP (julho) 2011 – Questão 59
Num mundo onde cresce sem parar a compulsão para obrigar as pessoas a levar uma vida “correta” no maior número possível das atividades que formam o seu dia a dia, a mesa tornou-se uma das áreas que mais atraem a atenção dos gendarmes...
UNESP 2015 – Questão 71
Os protetores solares são formulações que contêm dois componentes básicos: os ingredientes ativos (filtros solares) e os veículos. Dentre os veículos, os cremes e as loções emulsionadas são os mais utilizados, por associarem alta proteção...
UNESP 2018 – Questão 11
O leitor é figura recorrente e fundamental na prosa machadiana. Verifica-se a inclusão do leitor na narrativa no seguinte trecho: ...
UNESP 2015 – Questão 73
A quantidade de oxigênio necessário para degradar biologicamente a matéria orgânica presente na água é expressa pela Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO).Sabendo que um dos parâmetros analíticos de monitoramento da qualidade da água...
UNESP (julho) 2011 – Questão 20
Mas não tem outras mais bonitas no lugar. O emprego da forma verbal tem em vez de há no verso mencionado se deve a) à necessidade de substituir um monossílabo tônico por um átono. b) à exigência métrica de uma sílaba a mais. c) à intenção de reforçar o sentido de “existir” nos versos. d) à obediência ao disposto pela norma-padrão. e) ao objetivo dos compositores de representar a fala regional, popular.