Quanto custa ser classe média?
Marinella Castro, Paula Takahashi e Frederico Bottrel
Serviços e produtos que na classe D eram considerados artigos de luxo se tornaram febre de consumo da nova classe C. Educação, carro na garagem, viagem de avião, TV por assinatura, internet de alta velocidade e até tratamentos em clínicas estéticas passaram a fazer parte do orçamento dos mais de 32 milhões de brasileiros que nos últimos 10 anos entraram na classe média. Somado, o pacote chega a consumir quase 60% da renda média das famílias, estimada em R$ 2.295 pelo instituto de pesquisa Data Popular. Isso sem contar os gastos básicos com saúde, alimentação e moradia, que não entram na conta.
Além do novo pacote de gastos, a nova classe média tem uma faixa de renda que pode ser perigosa quando o assunto é tributação. O Imposto de Renda para pessoa física é cobrado pela Receita Federal com base numa tabela de alíquotas. Sobre a renda mensal de 1.164,01 até 2.326,00, há desconto de 15%. Acima desse valor, no entanto, o desconto passa a ser de 27,5%. Como o valor limite é muito próximo à média familiar desse novo grupo, há sempre o risco de um pequeno ganho extra gerar uma nova facada no recolhimento.
Levantamento realizado pelo Estado de Minas em parceria com o site de pesquisas Mercado Mineiro e empresas do setor estimou em R$ 1.337,71 os gastos médios mensais nos lares de famílias que possuem um filho em escola particular, enquanto o custo sobe para R$ 1.348,78 se um dos integrantes estiver na faculdade. Incluídas na rotina doméstica, as novas aquisições também se tornam a maior ameaça ao equilíbrio do orçamento. Perigo que pode ser ainda maior já que outros hábitos também recém-chegados aos domicílios, como a alimentação fora do lar e a prestação da casa própria, podem aumentar ainda mais esse peso.
Para Edilson Nascimento, gerente de Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - que mede o consumo das famílias por classe de renda, e não por segmentação social -, é nítida a incorporação de serviços na faixa da população que ganha acima de R$ 1.245. “É isso que diferencia bastante uma classe de renda da outra. As famílias com menor poder aquisitivo tendem a utilizar serviços gratuitos”, pondera. Entre os novos contratos estão a educação, TV por assinatura e internet.
Segundo o último levantamento da POF, o peso da educação sobre o orçamento das famílias que ganham entre R$ 1.245 e R$ 2.490 foi de 1,6% da renda, subindo para 2,4% entre aquelas que recebem entre R$ 2.490 e R$ 4.150. Na faixa inferior, entre a parcela da população com rendimento de até R$ 830, a participação desse item não chega a 1%. No caso do item que engloba pacote de telefone, TV e internet, os gastos saem de míseros R$ 1,11 ao mês para quem ganha até R$ 830, para R$ 21,64 entre aqueles que recebem entre R$ 2.490 e R$ 4.150, alta superior a 19 vezes.
Alessandra Bortoni, gerente de projeto da Nova Classe Média da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, reconhece o crescimento da demanda por educação, um grande gargalo nos estratos mais baixos da sociedade. “Esse é um dos focos, já que os pais querem um futuro melhor para seus filhos”, observa.
O sócio-diretor do Instituto Data Popular, Renato Meirelles, diz que são justamente esses itens, provenientes do setor de serviços, que têm maior peso na inflação da classe C. Ele lembra que a universidade particular é uma recente conquista da classe média, assim como a TV por assinatura e internet banda larga.
A família do restaurador de fotografias Amâncio Miguel da Silva, com ganhos dentro da faixa de R$ 1 mil a R$ 4 mil, sentiu os efeitos do crescimento da renda, incorporando novos hábitos de consumo ao orçamento. A casa onde moram, na Região Norte de Belo Horizonte, está sendo reformada e tem internet. Odete Silva é dona de casa, e Amâncio Júnior, o filho da casa, que ainda mora com a família, é porteiro. Eles costumam comprar passagens de avião para visitar a filha, que mora no Espírito Santo. Ela já concluiu a universidade e também mestrado em engenharia ambiental e hoje trabalha dentro e fora do país.
Apesar disso, o restaurador aponta falhas no modelo que levou milhões a ascenderem à classe média. “É verdade que a renda melhorou, mas para viver com orçamento em dia é preciso abrir mão de coisas muito importantes, como saúde”, pondera. Amâncio Silva, que trabalha por conta própria, considera o transporte público ruim e gostaria de ter um convênio médico. Ele desenvolveu um ponto de vista sobre a classe C. “Acho que, para ser classe média, a pessoa deveria conseguir pagar suas despesas e arcar com os custos da educação. A educação de qualidade ainda é uma barreira para os brasileiros”.
Fonte: CASTRO, Marinella; TAKAHASHI, Paula; BOTTREL Frederico. Quanto custa ser classe média? Estado de Minas, Belo Horizonte, 11 set. 2011. Economia, p. 16.