UERJ 2015 – Questão 10

Linguagens / Português
Medo e vergonha
 
O medo é um evento poderoso que toma o nosso corpo, nos põe em xeque, paralisa alguns e atiça a criatividade de outros. Uma pessoa em estado de pavor é dona de uma energia extra capaz de feitos incríveis. Um amigo nosso, quando era adolescente, aproveitou a viagem dos pais da namorada para ficar na casa dela. Os pais voltaram mais cedo e, pego em flagrante, nosso Romeu teve a brilhante ideia de pular, pelado, do segundo andar. Está vivo. Tem hoje essa incrível história pra contar, mas deve se lembrar muito bem da vergonha.
Me lembrei dessa história por conta de outra completamente diferente, mas na qual também vi meu medo me deixar em maus lençóis.
Estava caminhando pelo bairro quando resolvi explorar umas ruas mais desertas. De repente, vejo um menino encostado num muro. Parecia um menino de rua, tinha seus 15, 16 anos e, quando me viu, fixou o olhar e apertou o passo na minha direção. Não pestanejei. Saí correndo. Correndo mesmo, na mais alta performance de minhas pernas.
No meio da corrida, comecei a pensar se ele iria mesmo me assaltar. Uma onda de vergonha foi me invadindo. O rapaz estava me vendo correr. E se eu tivesse me enganado? E se ele não fosse fazer nada? Mesmo que fosse. Ter sido flagrada no meu medo e preconceito daquela forma já me deixava numa desvantagem fulminante.
Não sou uma pessoa medrosa por excelência, mas, naquele dia, o olhar, o gesto, alguma coisa no rapaz acionou imediatamente o motor de minhas pernas e, quando me dei conta, já estava em disparada.
Fui chegando ofegante a uma esquina, os motoristas de um ponto de táxi me perguntaram o que tinha acontecido e eu, um tanto constrangida, disse que tinha ficado com medo. Me contaram que ele vivia por ali, tomando conta dos carros. Fervi de vergonha.
O menino passou do outro lado da rua e, percebendo que eu olhava, imitou minha corridinha, fazendo um gesto de desprezo. Tive vontade de sentar na guia1 e chorar. Ele só tinha me olhado, e o resto tinha sido produto legítimo do meu preconceito.
Fui atrás dele. Não consegui carregar tamanha bigorna2 pra casa. “Ei!” Ele demorou a virar. Se eu pensava que ele assaltava, ele também não podia imaginar que eu pedisse desculpas. Insisti: “Desculpa!” Ele virou. Seu olhar agora não era mais de ladrão, e sim de professor. Me perdoou com um sinal de positivo ainda cheio de desprezo. Fui pra casa pelada, igual ao Romeu suicida.
 
Denise Fraga folha.uol.com.br, 08/01/2013
 
guia − meio-fio da calçada
bigorna − bloco de ferro para confecção de instrumentos.
A crônica é um gênero textual que frequentemente usa uma linguagem mais informal e próxima da oralidade, pouco preocupada com a rigidez da chamada norma culta.
Um exemplo claro dessa linguagem informal, presente no texto, está em:
a) O medo é um evento poderoso que toma o nosso corpo, (l. 1)
b) Me lembrei dessa história por conta de outra completamente diferente, (l. 8)
c) De repente, vejo um menino encostado num muro. (l. 10-11)
d) ele também não podia imaginar que eu pedisse desculpas. (l. 28)

Veja outras questões semelhantes:

Base dudow 2000 – Questão 1
Em cada uma das alternativas a seguir, está destacado um termo iniciado por preposição. Assinale a alternativa em que esse termo NÃO É OBJETO INDIRETO. ...
UERJ 2006 – Questão 17
Nonviolent resistance is central to Martin Luther King Jr.’s philosophy as a way to cure society’s ills. This action is best understood as a way of: a) turning the other cheek b) avoiding retaliation c) disregarding power d) rejecting injustice
FGV 2017 – Questão 21
Tendo em vista o termo a que se refere, o pronome “que” poderia ser substituído por “a qual” no seguinte trecho do texto: a) “que era” (ref.1). b) “que me fazem bem” (ref.3). c) “que se afirma” (ref.4). d) “que nos encantou” (ref.2). e) “que vive” (ref.5).
UERJ 2009 – Questão 17
The text presents a comparative analysis of political involvement in different decades. According to Carroll, the conflicting attitude between youth generations of the 1960s and of today is expressed in the following statement: a) effective activism is attainable with political support b) traditional institutions are conscious of political needs c) community engagement is sustained by political action d) cooperative actions are dependent on political organizations
UERJ 2012 – Questão 21
The author states that the process of eliminating the destructive by-products of the so-called "clean coal" produces emissions. The fragment of the text in which the underlined pronoun refers to the statement above is: a) it has to consist largely of euphemism. b) “clean coal” is one of these. c) ordinary coal which has been treated to “eliminate” most of its destructive by-products. d) This, though, isn’t clear.