UERJ 2005 – Questão 2

Linguagens / Português / Planejamento e Estrutura do Texto / Desenvolvimento
Gaveta dos Guardados
 
A memória é a gaveta dos guardados1. Nós somos  o que somos, não o que virtualmente seríamos capazes de ser.
Minha bagagem são os meus sonhos. Fui o poeta  das ruas, das vielas silenciosas do Rio, antes que  se tornasse uma cidade assolada pela violência.  Sempre fui ligado à terra, ao meu pátio.
No Rio Grande do Sul estou no colo da mãe. Creio  que minha fase atual, neste momento, em 1993, reflete a eterna solidão do homem.
A obra só se completa e vive quando expressa2. Nos meus quadros, o ontem se faz presente no agora3. Lanço-me na pintura e na vida por inteiro4, como um mergulhador na água. A arte é também história. E expressa a nossa humanidade. A arte é intemporal, embora guarde a fisionomia de cada época. Conheci em Paris um escultor brasileiro, bolsista, que não frequentava museus para não perder a personalidade, esquecendo que só se perde o que se tem5.
(...)
A memória é a gaveta dos guardados, repito para sublinhar. O clima dos meus quadros vem da solidão da campanha, do campo, onde fui guri e adolescente. Na velhice perde-se a nitidez da visão e se aguça a do espírito6.
A memória pertence ao passado. É um registro. Sempre que a evocamos, se faz presente, mas permanece intocável, como um sonho. A percepção do real tem a concreteza, a realidade física7, tangível. Mas como os instantes se sucedem feito os tique-taques do relógio, eles vão se transformando em passado, em memória, e isso é tão inaferrável*  como um instante nos confins do tempo.
Escrever pode ser, ou é, a necessidade de tocar a realidade que é a única segurança de nosso estar no mundo – o existir. É difícil, se não impossível, precisar quando as coisas começam dentro de nós8.
(...)
A vida dói... Para mim o tempo de fazer perguntas passou. Penso numa grande tela que se abre, que se me oferece intocada, virgem. A matéria também sonha. Procuro a alma das coisas. Nos meus quadros o ontem se faz presente no agora. A criação é um desdobramento contínuo, em uníssono com a vida. O auto-retrato do pintor é pergunta que ele faz a si mesmo, e a resposta também é interrogação. A verdade da obra de arte é a expressão que ela nos transmite. Nada mais do que isso!
 
FOLHA DE SÃO PAULO, 09/05/1998
(CAMARGO, Iberê. In: NESTROVSKI, Arthur (Org.). Figuras do Brasil:80 autores em 80 anos de Folha. São Paulo Publifolha, 2001.)
Conheci em Paris um escultor brasileiro, bolsista, que não frequentava museus para não perder a personalidade, esquecendo que só se perde o que se tem. (ref.5)
 
No quarto parágrafo, o fragmento acima constitui uma estratégia utilizada pelo autor para desconstruir um determinado ponto de vista contrário ao seu.
Essa estratégia e a justificativa para seu uso estão definidas na seguinte alternativa:
a) exemplo – demonstração irônica do vínculo entre arte e história
b) paralelismo – destaque retórico da experiência individual e coletiva
c) reiteração – valorização excessiva do elo entre cultura e humanidade
d) comparação – fundamentação lógica da relação entre o artista e sua criação

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