PUC -SP 2017 – Questão 78

Linguagens / Português
A queda do poderoso machão
Paula Cesarino Costa
OMBUDSMAN* da Folha de S.Paulo
Folha de S.Paulo, 09/04/2017
Campanha contra assédio na av. Pompeia (São Paulo),
em projeção de Roberta Carvalho
 
Em janeiro de 2016, a Folha anunciou a estreia de blog voltado à discussão das questões de gênero e do  chamado empoderamento feminino. Nascido do movimento #Agora É Que São Elas, em que mulheres ocuparam o espaço de colunistas homens nos jornais, o blog homônimo se somava a dezenas de outros. Interpretei como saudável a oferta de novos temas aos leitores do jornal.
Neste espaço1, já alertara de que os tempos de redes sociais turbulentas sinalizavam a hora de reinventar as páginas de opinião. Contabilizava, em agosto de 2016, 32 mulheres entre os 130 colunistas do jornal.
Na madrugada da sexta, 31 de março, o #Agora É Que São Elas publicou um post de potencial arrebatador nas redes sociais. O post “José Mayer me assediou”2 foi colocado no ar à 0h45.
Nele, a figurinista Susllem Tonani acusava o ator de tê-la assediado durante oito meses na TV Globo. De manhã, o texto já era lido e compartilhado nas redes sociais. Por volta das 10h, a Folha tirou-o do ar sem dar explicação. Cobrei do jornal, na crítica interna que circula em torno das 12h30, a obrigação de prestar satisfação ao leitor. Só às 14h22 foi publicada a justificativa para o sumiço do post: "O conteúdo foi retirado do ar porque desrespeitou o princípio editorial da Folha de só publicar acusação após ouvir e registrar os argumentos da parte acusada, salvo nos casos em que isso não for possível".3
Às 17h30, o texto voltou a ficar disponível, ao mesmo tempo em que era publicada reportagem que resumia as acusações da figurinista e ouvia o ator. Ele negava o que lhe havia sido imputado. A TV Globo dizia não comentar assuntos internos, mas assegurava que haveria apuração rigorosa, "ouvidos todos os envolvidos, em busca da verdade"4.
Houve mobilização de funcionárias da emissora, que culminou em manifesto, cujo título se tornaria emblemático em camisetas e posts: "Mexeu com uma, mexeu com todas"5. Três dias depois do post original, a emissora divulgou a decisão de suspender José Mayer.  Em carta, o ator assumiu ter errado e pediu desculpas.
Tropeçou ao resumir o episódio como "brincadeira" e tentar dividir sua culpa com a geração de homens acima de 60 anos, como se fossem vítimas de uma catequese única e perversa6.
A polêmica alcançou o topo das redes sociais, chegando a estar entre os dez assuntos mais comentados do mundo no Twitter. A retirada do ar do post pela Folha, sem explicação imediata, mas deixando rastros digitais, gerou reclamações e suscitou a elaboração de conjecturas: "Acredito que a Folha precisa explicar o que motivou a retirada. Se está compactuando com uma operação abafa7 por parte da Globo ou se apurou erros no relato", registrou um leitor.
O editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, diz que a Direção foi surpreendida com o conteúdo e determinou sua retirada temporária até que o outro lado fosse ouvido. "Nesse intervalo, uma reportagem foi publicada para explicar o que havia acontecido. Não foi, portanto, sem qualquer explicação", afirma.
Para Dávila, no caso concreto, não havia impeditivo para que o procedimento padrão de ouvir o outro lado não fosse respeitado.
A Folha tem hoje 124 colunistas e 48 blogs. Grande parte dos leitores não diferencia uns de outros. Mas, na estrutura interna do jornal, blogueiros e colunistas são tratados de forma diferenciada. Todos os colunistas são lidos por editores ou pelos secretários de Redação antes que seus textos sejam publicados.
Os blogs são acompanhados a posteriori, pela própria natureza de "diário" que a modalidade comporta. Os autores cuidam diretamente da publicação dos textos. Argumenta Dávila que todos os que escrevem na Folha, incluindo blogueiros, devem submeter quaisquer acusações de prática ilegal aos seus editores antes de publicá-las.
É dever das titulares de um blog feminino e feminista trazer a público, sabendo ser verdadeira, uma denúncia de prática machista8. É dever do jornal trabalhar tal informação e dar voz àquele que é acusado do que quer que seja.
O correto teria sido a publicação do texto original no blog, com remissão simultânea para reportagem produzida pelo corpo editorial da Folha, submetida aos padrões exigidos pelo Manual de Redação de isenção, transparência e equilíbrio. A retirada do ar explicitou falhas de comunicação e procedimento.
Um poderoso machão sucumbiu. Os tempos são outros. Uma leitora, no entanto, lembrou a ombudsman de que nesta semana a Ilustrada ganhou três novos colunistas de humor. Eles dividirão espaço com o consagrado José Simão. Todos são homens. Também não há mulheres, por exemplo, no quadrado da charge da página 2 da Folha.
Paula Cesarino Costa

*Ombudsman é uma expressão de origem sueca que significa "representante do cidadão". A palavra é formada pela união de "ombuds" (representante) e "man" (homem). O termo surgiu em 1809, nos países escandinavos, para designar um Ouvidor-Geral do Parlamento, responsável em mediar e tentar solucionar as reclamações da população junto ao governo. Hoje em dia, o ombudsman se transformou em uma profissão presente em quase todas as grandes e médias empresas, sejam públicas ou privadas. A função do búds, como também são conhecidos, é a de enxergar os problemas e pontos negativos de determinada empresa ou instituição, a partir da ótica do consumi dor/cidadão, e tentar solucionar as crises de maneira imparcial. Dentro da imprensa, o ombudsman é o intermediador entre a editoria do jornal, por exemplo, e seus leitores. Nos Estados Unidos, a função de ombudsman surgiu nos anos 1960. No Brasil, o cargo existe desde 1989, quando o jornal Folha de S.Paulo publicou a primeira editoria do seu ombudsman, que ficaria responsável em ser o porta-voz dos leitores, solucionando e transmitindo as suas reclamações para o jornal. Em muitas empresas o ombudsman é ligado ao departamento de Serviços Jurídicos.
Disponível em: https://www.significados.com.br/ombudsman/.Acesso em: 13 maio 2017. [Adaptado para fins de vestibular.]
Um leitor faz referência à “operação abafa”( ref.7), a fim de
a) registrar seu ponto de vista sobre a possível parceria da Folha com a Globo em ocultar o caso do assédio.
b) manifestar crítica sobre a mobilização das funcionárias da Globo em defesa da vítima do assédio.
c) reclamar sobre o exagero que tanto a Folha como a Globo têm conferido a questões de assédio.
d) dissimular sua própria opinião sobre a verdade em relação ao episódio do assédio contra a funcionária da Globo

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