FUVEST 2016 – Questão 54

Linguagens / Literatura
Omolu espalhara a bexiga na cidade. Era uma vingança contra a cidade dos ricos. Mas os ricos tinham a vacina, que sabia Omolu de vacinas? Era um pobre deus das florestas d’Áfica. Um deus dos negros pobres. Que podia saber de vacinas? Então a bexiga desceu e assolou o povo de Omolu. Tudo que Omolu pôde fazer foi transformar a bexiga de negro em alastrim, bexiga branca e tola. Assim mesmo morrera negro, morrera pobre. Mas Omolu dizia que não fora o alastrim que matara. Fora o lazareto*, Omolu só queria com o alastrim marcar seus filhinhos negros. O lazareto é que os matava. Mas as macumbas pediam que ele levasse a bexiga da cidade, levasse para os ricos latifundiários do sertão. Eles tinham dinheiro, léguas e léguas de terra, mas não sabiam tampouco da vacina. O Omolu diz que vai pro sertão. E os negros, os ogãs, as filhas e pais de santo cantam:
Ele é mesmo nosso pai
e é quem pode nos ajudar...
Omolu promete ir. Mas para que seus filhos negros não o esqueçam avisa no seu cântico de despedida:
Ora, adeus, ó meus filhinhos,
Qu’eu vou e torno a vortá...
E numa noite que os atabaques batiam nas macumbas, numa noite de mistério da Bahia, Omolu pulou na máquina da Leste Brasileira e foi para o sertão de Juazeiro. A bexiga foi com ele.
Jorge Amado, Capitães da Areia.
 
*lazareto: estabelecimento para isolamento sanitário de pessoas atingidas por determinadas doenças.
Costuma-se reconhecer que Capitães da Areia pertence ao assim chamado “romance de 1930”, que registra importantes transformações pelas quais passava o Modernismo no Brasil, à medida que esse movimento se expandia e diversificava. No excerto, considerado no contexto do livro de que faz parte, constitui marca desse pertencimento
a) o experimentalismo estético, de caráter vanguardista, visível no abundante emprego de neologismos.
b) o tratamento preferencial de realidades bem determinadas, com foco nos problemas sociais nelas envolvidos.
c) a utilização do determinismo geográfico e racial, na interpretação dos fatos narrados.
d) a adoção do primitivismo da “Arte Negra” como modelo formal, à semelhança do que fizera o Cubismo europeu.
e) o uso de recursos próprios dos textos jornalísticos, em especial, a preferência pelo relato imparcial e objetivo. 

Veja outras questões semelhantes:

FUVEST 2019 – Questão 73
No texto, a pergunta “What time is it?”(ref.1), inserida no debate da ciência moderna sobre a noção de tempo, ...
UNIFESP port e inglês 2006 – Questão 13
Os versos denunciam: ...
FUVEST 2008 – Questão 81
Os biomas do Brasil, cujas condições ambientais estão representadas no gráfico pelas regiões demarcadas I, II, III e IV, correspondem, respectivamente, a a) cerrado, caatinga, floresta amazônica e floresta atlântica. b) pampa, cerrado, floresta amazônica e complexo pantaneiro. c) cerrado, pampa, floresta atlântica e complexo pantaneiro. d) caatinga, cerrado, pampa e complexo pantaneiro. e) caatinga, cerrado, floresta atlântica e floresta amazônica.
UNESP 2018 – Questão 11
O leitor é figura recorrente e fundamental na prosa machadiana. Verifica-se a inclusão do leitor na narrativa no seguinte trecho: ...
UNIFESP 2018 – Questão 14
Talvez o aspecto mais evidente da novidade retórica e formal na composição dessa obra seja justamente a metalinguagem ou a autorreflexividade da narrativa, quer dizer, o narrador “explica” constantemente para o leitor o andamento e o modo pelo...