FUVEST 2015 – Questão 39

Linguagens / Literatura
O OPERÁRIO NO MAR
 
Na rua passa um operário. Como vai firme! Não tem blusa. No conto, no drama, no discurso político, a dor do operário está na blusa azul, de pano grosso, nas mãos grossas, nos pés enormes, nos desconfortos enormes. Esse é um homem comum, apenas mais escuro que os outros, e com uma significação estranha no corpo, que carrega desígnios e segredos. Para onde vai ele, pisando assim tão firme? Não sei. A fábrica ficou lá atrás. Adiante é só o campo, com algumas árvores, o grande anúncio de gasolina americana e os fios, os fios, os fios. O operário não lhe sobra tempo de perceber que eles levam e trazem mensagens, que contam da Rússia, do Araguaia, dos Estados Unidos. Não ouve, na Câmara dos Deputados, o líder oposicionista vociferando. Caminha no campo e apenas repara que ali corre água, que mais adiante faz calor. Para onde vai o operário? Teria vergonha de chamá-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca. E me despreza... Ou talvez seja eu próprio que me despreze a seus olhos. Tenho vergonha e vontade de encará-lo: uma fascinação quase me obriga a pular a janela, a cair em frente dele, sustar-lhe a marcha, pelo menos implorar-lhe que suste a marcha. Agora está caminhando no mar. Eu pensava que isso fosse privilégio de alguns santos e de navios. Mas não há nenhuma santidade no operário, e não vejo rodas nem hélices no seu corpo, aparentemente banal. Sinto que o mar se acovardou e deixou-o passar. Onde estão nossos exércitos que não impediram o milagre? Mas agora vejo que o operário está cansado e que se molhou, não muito, mas se molhou, e peixes escorrem de suas mãos. Vejo-o que se volta e me dirige um sorriso úmido. A palidez e confusão do seu rosto são a própria tarde que se decompõe. Daqui a um minuto será noite e estaremos irremediavelmente separados pelas circunstâncias atmosféricas, eu em terra firme, ele no meio do mar. Único e precário agente de ligação entre nós, seu sorriso cada vez mais frio atravessa as grandes massas líquidas, choca-se contra as formações salinas, as fortalezas da costa, as medusas, atravessa tudo e vem beijar-me o rosto, trazer-me uma esperança de compreensão. Sim, quem sabe se um dia o compreenderei?
(Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do Mundo.)
Embora o texto de Drummond e o romance Capitães da Areia, de Jorge Amado, assemelhem-se na sua especial atenção às classes populares, um trecho do texto que NÃO poderia, sem perda de coerência formal e ideológica, ser enunciado pelo narrador do livro de Jorge Amado é, sobretudo, o que está em:
a) “Na rua passa um operário. Como vai firme! Não tem blusa.”
b) “Esse é um homem comum, apenas mais escuro que os outros (…).”
c) “Não ouve, na Câmara dos Deputados, o líder oposicionista vociferando.”
d) “Teria vergonha de chamá-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca.”
e) “Mas agora vejo que o operário está cansado e que se molhou, não muito, mas se molhou, e peixes escorrem de suas mãos.” 

Veja outras questões semelhantes:

FUVEST 2019 – Questão 60
Sim, estou me associando à campanha nacional contra os verbos que acabam em "ilizar". Se nada for feito, daqui a pouco eles serão mais numerosos do que os terminados simplesmente em "ar". Todos os dias os maus tradutores de livros de marketing e...
FUVEST 2020 – Questão 34
Se o discurso literário “aclara o real ao desligar-se dele, transfigurando-o”, pode-se dizer que Luís da Silva, o narrador-protagonista de Angústia, já não se comove coma leitura de “histórias fáceis, sem almas complicadas” porque a) rejeita, como jornalista, a escrita de ficção. b) prefere alienar-se com narrativas épicas. c) é indiferente às histórias de fundo sentimental. d) está engajado na militância política. e) se afunda na negatividade própria do fracassado.
FUVEST 2014 – Questão 18
Um prisma triangular desvia um feixe de luz verde de um ângulo θA, em relação à direção de incidência, como ilustra a figura A, como ilustra a figura abaixo. ...
FGV 2013 – Questão 27
O emprego do par de termos “vassalo” / “suserano” indica um elemento importante na poética de O Guarani, a saber, a) a crítica ao regime monárquico. b) a musicalidade compassada da prosa poética alencarina. c) a originalidade do Indianismo literário brasileiro. d) a crítica aos costumes do período colonial brasileiro. e) o medievalismo romântico.
UFPR 2016 – Questão 13
O soneto “No fluxo e refluxo da maré encontra o poeta incentivo pra recordar seus males”, de Gregório de Matos, apresenta características marcantes do poeta e do período em que ele o escreveu: ...