FGV Administração 2010 – Questão 17

Linguagens / Português / Linguagem Figurada / Campo Morfossintático
Herdeiro já era muito; mas universal... Esta palavra inchava as bochechas à herança1. Herdeiro de tudo, nem uma colherinha menos. E quanto seria tudo? Ia ele pensando. Casas, apólices, ações, escravos, roupa, louça, alguns quadros, que ele teria na Corte2, porque era homem de muito gosto, tratava de coisas de arte com grande saber. E livros? devia ter muitos livros, citava muitos deles. Mas em quanto andaria tudo? Cem contos? Talvez duzentos. Era possível; trezentos mesmo não havia que admirar. Trezentos contos! trezentos! E o Rubião tinha ímpetos de dançar na rua3. Depois aquietava-se; duzentos que fossem4, ou cem, era um sonho que Deus Nosso Senhor lhe dava, mas um sonho comprido, para não acabar mais5.
A lembrança do cachorro pôde tomar pé no torvelinho de pensamentos que iam pela cabeça do nosso homem6. Rubião achava que a cláusula era natural7, mas desnecessária, porque ele e o cão eram dois amigos, e nada mais certo que ficarem juntos8, para recordar o terceiro amigo, o extinto, o autor da felicidade de ambos. Havia, sem dúvida, umas particularidades na cláusula, uma história de urna, e não sabia que mais; mas tudo se havia de cumprir, ainda que o céu viesse abaixo9... Não, com a ajuda de Deus, emendava ele. Bom cachorro! Excelente cachorro!
Rubião não esquecia que muitas vezes tentara enriquecer com empresas que morreram em flor. Supôs-se naquele tempo um desgraçado, um caipora, quando a verdade era que “mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga”. Tanto não era impossível enriquecer, que estava rico.
—Impossível, o quê? exclamou em voz alta10.
Impossível é a Deus pecar. Deus não falta a quem promete. 
Machado de Assis, Quincas Borba.
No trecho sublinhado em “mais vale quem Deus ajuda do
que quem cedo madruga”, ocorre um tipo de desvio semântico que tem finalidade expressiva. Trata-se de
a) paradoxo.
b) hipérbole.
c) personificação.
d) redundância.
e) eufemismo.

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