Palavras: uma questão de estilo
A construção de um bom texto depende da criatividade de quem o escreve. Veja como o uso das palavras exerce um papel importante nesse contexto.
João Ribeiro, eminente gramático e profundo conhecedor da língua portuguesa, disse certa vez, em entrevista que deu ao jornalista carioca João do Rio (O Momento Literário), que o estilo seria, antes de tudo, “a ideia precisa e exata na sua forma exata e precisa”. De fato, não são poucos os que acreditam que o estilo depende, basicamente, da conjunção precisa entre forma e fundo, ideia em si mesma legítima, embora se saiba que até mesmo o que se considera erro, lacuna, falha ou desvio pode ser, no limite, considerado...uma questão de estilo. Falar em estilo na língua portuguesa remete-nos, imediatamente, a certa escala de valores que não apenas as frases, as orações e os períodos contêm, mas que também as palavras, isoladamente ou não, possuem. Assim, da mesma maneira que temos, no que compete à gramática da língua, as categorias essenciais (substantivos, verbos, adjetivos), auxiliares (artigos, preposições) e determinantes (advérbios, numerais), nas quais os vocábulos se subdividem, em termos de estilo essas categorias são também fundamentais para que possamos apreender a língua não em sua estrutura morfossintática, mas em sua configuração estilística. Uma frase como “Aires não pensava nada, mas percebeu que os outros pensavam alguma cousa”, retirada do romance Memorial de Aires, de Machado de Assis, é reveladora
não apenas pelo sentido que ela tem para a economia do romance, mas também em razão do peso que os verbos possuem no período, ora pelo jogo de oposições entre singular e plural (pensava / pensavam); ora pela dicotomia entre afirmação e negação (pensava / não pensavam); ora pela mediação, entre os dois vocábulos, realizada pelo verbo percebeu (pensava / percebeu / pensavam); ora ainda pelo contraste entre dois tempos verbais, o pretérito imperfeito (pensava / pensavam) e o perfeito (percebeu). Tudo isso se torna significativo, literariamente falando, para a narrativa e, mais do que um traço morfossintático, é um traço estilístico marcante na escala de valores a que aqui nos referimos e que pode, ainda, ter uma natureza sinestésica, estando ligada a determinados sentidos humanos. Por exemplo, é muito comum associarmos determinadas palavras a determinados sentidos, criando assim – no âmbito da percepção estilística – imagens visuais, auditivas, táteis, olfativas ou gustativas.
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Acesso em: 07.11.2017. Adaptado.
O autor menciona Memorial de Aires, de Machado de Assis, com o intuito de
a) destacar a preferência de Machado de Assis por um estilo calcado na linguagem informal, popular.
b) revelar, pela frase do narrador, que o Conselheiro Aires mantinha-se indiferente às circunstâncias que o cercavam.
c) demonstrar, por meio da análise de um trecho da obra machadiana, que a ausência de coesão entre forma e fundo não compromete o estilo.
d) evidenciar como Machado de Assis articula recursos morfossintáticos de modo a construir, não somente a narrativa, mas também o próprio estilo.
e) elucidar a oposição entre a concepção gramatical tradicionalista e a linguagem machadiana, caracterizada pelo desprendimento formal do autor.