Leia o texto do crítico de arte Jorge Coli para responder.
Dizer o que seja a arte é coisa difícil. Um sem-número de tratados de estética debruçou-se sobre o problema, procurando situá-lo, procurando definir o conceito. Mas, se buscamos uma resposta clara e definitiva, decepcionamo-nos: elas são divergentes, contraditórias,além de frequentemente se pretenderem exclusivas, propondo-se como solução única.
Entretanto, se pedirmos a qualquer pessoa que possua um mínimo contato com a cultura para nos citar alguns exemplos de obras de arte ou de artistas, ficaremos certamente satisfeitos. Todos sabemos que a Mona Lisa,que a Nona sinfonia de Beethoven, que a Divina comédia,que Guernica de Picasso ou o Davi de Michelangelo são, indiscutivelmente, obras de arte.
Assim, mesmo sem possuirmos uma definição clara e lógica do conceito, somos capazes de identificar algumas produções da cultura em que vivemos como sendo “arte”. Além disso,a nossa atitude diante da ideia “arte” é de admiração:sabemos que Leonardo ou Dante são gênios e, de antemão, diante deles, predispomo-nos a tirar o chapéu.
Podemos, então, ficar tranquilos: se não conseguimos saber o que a arte é, pelo menos sabemos quais coisas correspondem a essa ideia e como devemos nos comportar diante delas. Infelizmente, esta tranquilidade não dura se quisermos escapar ao superficial e escavar um pouco mais o problema. O Davi de Michelangelo é arte, e não se discute. Entretanto, eu abro um livro consagrado a um artista célebre do século XX, Marcel Duchamp, e vejo entre suas obras, conservado em museu,um aparelho sanitário de louça, absolutamente idêntico aos que existem em todos os mictórios masculinos do mundo inteiro. Ora, esse objeto não corresponde exatamente à ideia que eu faço da arte.
Assim, a questão que há pouco propusemos – como saber o que é ou não é obra de arte – de novo se impõe.Já vimos que responder com uma definição que parte da“natureza” da arte é tarefa vã. Mas, se não podemos encontrar critérios a partir do interior mesmo da noção de obra de arte, talvez possamos descobri-los fora dela.
Para decidir o que é ou não arte, nossa cultura possui instrumentos específicos. Um deles, essencial, é o discurso sobre o objeto artístico, ao qual reconhecemos competência e autoridade. Esse discurso é o que proferem o crítico, o historiador da arte, o perito, o conservador de museu. São eles que conferem o estatuto de arte a um objeto. Nossa cultura também prevê locais específicos onde a arte pode manifestar-se, quer dizer, locais que também dão estatuto de arte a um objeto. Num museu,numa galeria, sei de antemão que encontrarei obras de arte; num cinema “de arte”, filmes que escapam à“banalidade” dos circuitos normais; numa sala de concerto, música “erudita” etc. Esses locais garantem-me assim o rótulo “arte” às coisas que apresentam,enobrecendo-as.
Desse modo, para gáudio1meu, posso despreocupar-me, pois nossa cultura prevê instrumentos que determinarão, por mim, o que é ou não arte. Para evitar ilusões, devo prevenir que a situação não é assim tão rósea.Mas, por ora, o importante é termos em mente que o estatuto da arte não parte de uma definição abstrata do conceito, mas de atribuições feitas por instrumentos de nossa cultura,dignificando os objetos sobre os quais ela recai.
(O que é arte, 2013. Adaptado.)
1gáudio:alegria; júbilo.