PASSO NO RUMO CERTO
Na semana passada, a claque*1 convocada para a inauguração de um aeroporto na cidade mineira de Uberlândia ouviu de Lula a seguinte frase: “Quero dizer que a crise é extremamente grave. Em horas de crise é preciso ter muita paciência para não tomar decisão precipitada, não se deixar levar pelo estado emocional, mas, sim, pela razão.” Embora o presidente já tenha se manifestado a respeito da difícil situação política em diversas ocasiões (não raro para negar a sua realidade, como se tudo não passasse de uma alucinação coletiva promovida por prestidigitadores da elite, mas deixemos isso de lado), foi a primeira vez que ele uniu à palavra “crise” um advérbio de intensidade, “extremamente”, e um adjetivo grandiloquente, “grave”. O encadeamento de tais termos permite supor que Lula finalmente (no que pode ser considerado um advérbio de alívio) reconheceu a existência de fissura ética, política e criminosa que há mais de 100 dias se aprofunda mais e mais, levando o governo de cambulhada*2.
Nessa hipótese, e não se quer aqui evocar o doutor Pangloss, aquele personagem de Voltaire para quem todos vivíamos no melhor dos mundos, é uma ótima notícia o presidente ter admitido que o horizonte anda carregado. Pelo simples motivo de que, para sanar um problema, qualquer que seja ele, é preciso antes de mais nada reconhecer sua existência. Caberia agora a Lula contribuir para que a resolução da crise seja efetiva, não deixando margem à impressão olfativa de que tudo terminará em pizza. O presidente volta e meia afirma que não tem como interferir no andamento das investigações e das punições. Não é verdade. Pelo peso de seu cargo, e sem extrapolar suas atribuições constitucionais, Lula, pode sim, proceder a que corrompidos e corrompedores, no Legislativo e no Executivo, sintam na carne e na biografia que não sairão impunes dos crimes de desvio de dinheiro público, formação de quadrilha e tráfico de influência. Ao empenhar-se com afinco nesse objetivo, movido pela razão e sem emocionalismos, o presidente prestaria ao mesmo tempo um grande serviço ao Brasil e a si próprio.
VEJA, Editorial, 7 jul. de 2005.
*1 claque – reunião de pessoas combinadas para aplaudirem nos teatros
*2 de cambulhada - em confusão
Sobre o texto “Passo no rumo certo”, é correto afirmar:
a) Ao dizer que “é preciso ter muita paciência”, o presidente deixa transparecer sua opinião de que a crise não é ética.
b) Na situação relatada, o presidente explica a crise como uma alucinação coletiva promovida pela elite.
c) Se a crise não for solucionada da forma como deve ser, além de o país ser prejudicado, o presidente terá sua imagem comprometida.
d) O presidente Lula e o autor têm a mesma opinião a respeito do procedimento a ser adotado no andamento das investigações e das punições.
e) A punição dos responsáveis não deve comprometer a sua vida política.