UNESP 2013 – Questão 6

Linguagens / Português / Língua e Funções / Interpretação de texto
A raposa e as uvas
(Casa de Xantós, em Samos. Entradas à D., E., e F. Um gongo. Uma mesa. Cadeiras. Um “clismos*”. Pelo pórtico, ao fundo, vê-se o jardim. Estão em cena Cleia, esposa de Xantós, e Melita, escrava. Melita penteia os cabelos de Cleia.)
MELITA: — (Penteando os cabelos de Cleia.) Então Rodópis contou que Crisipo reuniu os discípulos na praça, apontou para o teu marido e exclamou: “Tens o que não perdeste”. Xantós respondeu: “É certo”. Crisipo continuou: “Não perdeste chifres”. Xantós concordou: “Sim”. Crisipo finalizou: “Tens o que não perdeste; não perdeste chifres, logo os tens”. (Cleia ri.) Todos riram a valer.
CLEIA: — É engenhoso. É o que eles chamam sofisma. Meu marido vai à praça para ser insultado pelos outros filósofos?
MELITA: Não; Xantós é extraordinariamente inteligente... No meio do riso geral, disse a Crisipo: “Crisipo, tua mulher te engana, e no entanto não tens chifres: o que perdeste foi a vergonha!” E aí os discípulos de Crisipo e os de Xantós atiraram-se uns contra os outros...
CLEIA: — Brigaram?  (Assentimento de Melita.) Como é que Rodópis soube disto?
MELITA: — Ela estava na praça.
CLEIA: — Vocês, escravas, sabem mais do que se passa em Samos do que nós, mulheres livres...
MELITA: — As mulheres livres ficam em casa. De certo modo são mais escravas do que nós.
CLEIA: — É verdade. Gostarias de ser livre?
MELITA: — Não, Cleia. Tenho conforto aqui, e todos me consideram. É bom ser escrava de um homem ilustre como teu marido. Eu poderia ter sido comprada por algum mercador, ou algum soldado, e no entanto tive a sorte de vir a pertencer a Xantós.
CLEIA: — Achas isto um consolo?
MELITA: — Uma honra. Um filósofo, Cleia!
CLEIA: — Eu preferia que ele fosse menos filósofo e mais marido. Para mim os filósofos são pessoas que se encarregam de aumentar o número de substantivos abstratos.
MELITA: — Xantós inventa muitos?
CLEIA: — Nem ao menos isto. E aí é que está o trágico: é um filósofo que não aumenta o vocabulário das controvérsias. Já terminaste?
MELITA: — Quase. É bom pentear teus cabelos: meus dedos adquirem o som e a luz que eles têm. Xantós beija os teus cabelos?  (Muxoxo de Cleia.) Eu admiro teu marido.
CLEIA: — Por que não dizes logo que o amas? Gostarias bastante se ele me repudiasse, te tornasse livre e se casasse contigo...
MELITA: — Não digas isto... Além do mais, Xantós te ama...
CLEIA: — À sua maneira. Faço parte dos bens dele, como tu, as outras escravas, esta casa...
MELITA: — Sempre que viaja te traz presentes.
CLEIA: — Não é o amor que leva os homens a dar presentes às esposas: é a vaidade; ou o remorso.
MELITA: — Xantós é um homem ilustre.
CLEIA: — É o filósofo da propriedade: “Os homens são desiguais: a cada um toca uma dádiva ou um castigo”. É isto democracia grega... É o direito que o povo tem de escolher o seu tirano: é o direito que o tirano tem de determinar: deixo-te pobre; faço-te rico; deixo-te livre; faço-te escravo. É o direito que todos têm de ouvir Xantós dizer que a injustiça é justa, que o sofrimento é alegria, e que este mundo foi organizado de modo a que ele possa beber bom vinho, ter uma bela casa, amar uma bela mulher. Já terminaste?
MELITA: — Um pouco mais, e ainda estarás mais bela para o teu filósofo.
CLEIA: — O meu filósofo... Os filósofos são sempre criaturas cheias demais de palavras...
(*) Espécie de cama para recostar-se.
(Guilherme Figueiredo. Um deus dormiu lá em casa, 1964.)
A leitura deste fragmento da peça A raposa e as uvas revela que a personagem Cleia
a) aprecia, orgulhosa, Xantós como homem e como filósofo.
b) tem bastante orgulho pelas vitórias do marido nos debates.
c) manifesta desprezo pelo marido, mas valoriza sua sabedoria.
d) demonstra grande admiração pela cultura filosófica de Xantós.
e) preferiria que Xantós desse mais atenção a ela que à Filosofia.
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