Monsenhor Caldas interrompeu a narração do desconhecido:
— Dá licença? é só um instante.
Levantou-se, foi ao interior da casa, chamou o preto velho que o servia, e disse-lhe em voz baixa:
— João, vai ali à estação de urbanos, fala da minha parte ao comandante, e pede-lhe que venha cá com um ou dois homens, para livrar-me de um sujeito doido. Anda, vai depressa.
E, voltando à sala:
— Pronto, disse ele; podemos continuar.
— Como ia dizendo a Vossa Reverendíssima, morri no dia vinte de março de 1860, às cinco horas e quarenta e três minutos da manhã. Tinha então sessenta e oito anos de idade. Minha alma voou pelo espaço, até perder a terra de vista, deixando muito abaixo a lua, as estrelas e o Sol; penetrou finalmente num espaço em que não havia mais nada, e era clareado tão-somente por uma luz difusa. Continuei a subir, e comecei a ver um pontinho mais luminoso ao longe, muito longe. O ponto cresceu, fez-se sol. Fui por ali dentro, sem arder, porque as almas são incombustíveis. A sua pegou fogo alguma vez?
— Não, senhor.
— São incombustíveis. Fui subindo, subindo; na distância de quarenta mil léguas, ouvi uma deliciosa música, e logo que cheguei a cinco mil léguas, desceu um enxame de almas, que me levaram num palanquim feito de éter e plumas.
(Machado de Assis, A segunda vida. Obras.
Completas, vol. II, p. 440-441.)
Pode-se afirmar, a respeito desse conto de Machado de Assis, que
a) reflete o cotidiano carioca na primeira metade do século XIX.
b) utiliza uma temática bastante rara em toda a sua obra.
c) utiliza uma temática comum a autores como Hoffmann e Edgar Allan Poe.
d) tem relação com os temas medievais do romance histórico português.
e) trata de um assunto semelhante ao do romance O ateneu.