UERJ 2008 – Questão 2

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O adeus
No oitavo dia sentimos que tudo conspirava contra  nós1. Que importa a uma grande cidade que haja um  apartamento fechado em alguns de seus milhares  de edifícios2; que importa que lá dentro não haja ninguém, ou que um homem e uma mulher ali  estejam, pálidos, se movendo na penumbra como  dentro de um sonho3?
Entretanto a cidade, que durante uns dois ou três dias parecia nos haver esquecido, voltava subitamente a atacar4. O telefone tocava, batia dez, quinze vezes, calava-se alguns minutos, voltava a chamar; e assim  três, quatro vezes sucessivas5.
Alguém vinha e apertava a campainha6; esperava; apertava outra vez; experimentava a maçaneta da porta; batia com os nós dos dedos, cada vez mais  forte, como se tivesse certeza de que havia alguém  lá dentro7. Ficávamos quietos, abraçados, até que o  desconhecido se afastasse, voltasse para a rua, para a sua vida, nos deixasse em nossa felicidade que fluía num encantamento constante.
Eu sentia dentro de mim, doce, essa espécie de saturação boa, como um veneno que tonteia, como se meus cabelos já tivessem o cheiro de seus cabelos, se  o cheiro de sua pele tivesse entrado na minha. Nossos corpos tinham chegado a um entendimento que era além do amor8, eles tendiam a se parecer no mesmo repetido jogo lânguido, e uma vez que, sentado, de frente para a janela por onde se filtrava um eco pálido de luz, eu a contemplava tão pura e nua, ela disse: “Meu Deus, seus olhos estão esverdeando”.
Nossas palavras baixas eram murmuradas pela mesma voz, nossos gestos eram parecidos e integrados, como se o amor fosse um longo ensaio para que um movimento chamasse outro: inconscientemente 
compúnhamos esse jogo de um ritmo imperceptível, como um lento bailado.
Mas naquela manhã ela se sentiu tonta, e senti também minha fraqueza9; resolvi sair, era preciso dar uma escapada para obter víveres; vesti-me lentamente, calcei os sapatos como quem faz algo de estranho; que horas seriam10?
Quando cheguei à rua e olhei, com um vago temor, um sol extraordinariamente claro me bateu nos olhos, na cara, desceu pela minha roupa, senti vagamente que aquecia meus sapatos. Fiquei um instante parado, encostado à parede, olhando aquele movimento sem sentido, aquelas pessoas e veículos irreais que se cruzavam11; tive uma tonteira, e uma sensação dolorosa no estômago.
Havia um grande caminhão vendendo uvas, pequenas uvas escuras; comprei cinco quilos. O homem fez um grande embrulho de jornal12; voltei, carregando aquele embrulho de encontro ao peito, como se fosse a minha salvação.
E levei dois, três minutos, na sala de janelas absurdamente abertas, diante de um desconhecido, para compreender que o milagre acabara13; alguém viera e batera à porta14, e ela abrira pensando que fosse eu15, e então já havia também o carteiro querendo o recibo de uma carta registrada, e quando o telefone bateu foi preciso atender, e nosso mundo foi invadido, atravessado, desfeito, perdido para sempre – senti que ela me disse isso num instante, num olhar entretanto lento16 (achei seus olhos muito claros, há muito tempo não os via assim, em plena luz), um olhar de apelo e de tristeza onde entretanto ainda havia uma inútil, resignada esperança.
RUBEM BRAGA
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Os tempos pretéritos utilizados no texto desempenham diferentes funções na construção do discurso narrativo.
A função do tempo pretérito sublinhado nos fragmentos abaixo encontra-se corretamente definida em:
a) “Alguém vinha e apertava a campainha;” (ref.6) – expressar indeterminação do agente 
b) “que horas seriam?” (ref.10) – mostrar simultaneidade de fatos
c) “O homem fez um grande embrulho de jornal;” (ref.12) – indicar ação finalizada
d) “alguém viera e batera à porta,” (ref.14) – caracterizar ausência de dúvida

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