Base dudow 074 2000 – Questão 9

Linguagens / Literatura / Romantismo / Portugal: Autores da Segunda Geração
AMOR DE SALVAÇÃO
Escutava o filho de Eulália o discurso de D. José, lardeado de facécias, e, por vezes, atendível por umas razões que se lhe cravavam fundas no espírito. 3As réplicas saíam-lhe frouxas e mesmo timoratas. Já ele se temia de responder coisa de fazer rir o amigo. Violentava sua condição para o igualar na licença da ideia, e, por vezes, no desbragado da frase. Sentia-se por dentro reabrir em nova primavera de alegrias para muitos amores, que se haviam de destruir uns aos outros, a bem do coração desprendido salutarmente de todos. A sua casa de Buenos Aires aborreceu-a por afastada do mundo, boa tão-somente para tolos infelizes que fiam do anjo da soledade o despenarem-se, chorando. Mudou residência para o centro de Lisboa, entre os salões e os teatros, entre o rebuliço dos botequins e concurso dos passeios. Entrou em tudo. As primeiras impressões enjoaram-no; mas, à beira dele, estava D. José de Noronha, rodeado dos próceres da bizarriz (sic), todos porfiados em tosquiarem um dromedário provinciano, que se escondera em Buenos Aires a delir em prantos uma paixão calosa, trazida lá das serranias minhotas. Ora, Afonso de Teive antes queria renegar da virtude, que já muito a medo lhe segredava os seus antigos ditames, que expor-se à irrisão de pessoas daquele quilate. 1É verdade que às vezes duas imagens lagrimosas se lhe antepunham: a mãe, e Mafalda. Afonso desconstrangia-se das visões importunas, e a si se acusava de pueril visionário, não emancipado ainda das crendices do poeta inesperto da prosa necessária à vida.
Escrever, porém, a Teodora não vingou as sugestões de D. José. Porventura, outras mulheres superiormente belas, e agradecidas às suas contemplações, o traziam preocupado e algum tanto esquecido da morgada da Fervença. Mas, um dia, Afonso, numa roda de mancebos a quem dava de almoçar, recebeu esta carta de Teodora:
"Compadeceu-se o Senhor. Passou o furacão. Tenho a cabeça fria da beira da sepultura, de onde me ergui. Aqui estou em pé diante do mundo. Sinto o peso do coração morto no seio; mas vivo eu, Afonso. Meus lábios já não amaldiçoam, minhas mãos estão postas, meus olhos não choram. O meu cadáver ergueu-se na imobilidade da estátua do sepulcro. Agora não me temas, não me fujas. Para aí onde estás, que as tuas alegrias devem ser muito falsas, se a voz duma pobre mulher pode perturbá-las. Olha... se eu hoje te visse, qual foste, ao pé de mim, anjo da minha infância, abraçava-te. Se me dissesses que a tua inocência se baqueara à voragem das paixões, repelia-te. Eu amo a criança de há cinco anos, e detesto o homem de hoje.
Serena-te, pois. Esta carta que mal pode fazer-te, Afonso? Não me respondas; mas lê. À mulher perdida relanceou o Cristo um olhar de comiseração e ouviu-a. E eu, se visse passar o Cristo, rodeado de infelizes, havia de ajoelhar e dizer-lhe: Senhor! Senhor! É uma desgraçada que vos ajoelha e não uma perdida. Infâmias, uma só não tenho que a justiça da terra me condene. Estou acorrentada a um dever imoral, tenho querido espadaçá-lo, mas estou pura. Dever imoral... por que, não, Senhor! Vós vistes que eu era inocente; minha mãe e meu pai estavam convosco."
(Camilo Castelo Branco. Amor de Salvação.)
A propósito do trecho "Compadeceu-se o Senhor. Passou o furacão.
Tenho a cabeça fria da beira da sepultura, de onde me ergui." (ref. 5), pode-se dizer que:
 
a) Teodora diz que Deus havia tido dó de seus sofrimentos. Assim, o termo "Senhor" é sujeito de "compadeceu-se".
b) A autora da carta dirige-se a Deus; assim, a função sintática de "Senhor" é vocativo.
c) Teodora havia falecido. O autor recorre a um artifício para dar-lhe voz.
d) Teodora declara já ter conseguido retomar completamente o controle de sua vida porque tinha sofrido demais.
e) Em "passou o furacão", identifica-se a figura chamada silepse.

Veja outras questões semelhantes:

ENEM PPL 2ºAplicação - Linguagens e Humanas 2021 – Questão 44
Espaço e memória ...
UNIFESP port e inglês 2007 – Questão 7
Leia as afirmações: I. Os termos laborioso e lascivo sugerem a frequência, a intensidade e o desejo da prática amorosa. II. O termo lidas pode ser considerado como um eufemismo para indicar a prática sexual. III.O desejo é algo que se realiza apenas nos sonhos do eu-lírico. Está correto o que se afirma apenas em a) I. b) II. c) III. d) I e II. e) II e III.
ENEM PPL - Linguagens e Humanas 2022 – Questão 7
TEXTO I ...
Base dudow 2000 – Questão 13
Da leitura do poema Canção Quero um dia para chorar. Mas a vida vai tão depressa! E é preciso deixar contida a tristeza, para que a vida, que acaba quando mal começa, tenha tempo de se acabar. (Cecilia Meireles) depreende-se: a) A ânsia de não se expor publicamente. b) Uma crítica ao sentimentalismo exacerbado. c) Uma atitude de revolta diante da ideia de morte. d) A busca de individualidade inerente ao homem. e) A constatação da fugacidade da vida.
FUVEST 2007 – Questão 62
O termo sublinhado no trecho “Senti que ela fruía nisso um prazer silencioso e longo” refere-se, no texto, a) ao sorriso que ela dava quando lhe dirigiam a palavra. b) ao prazer silencioso e longo que ela fruía ao sorrir. c) à percepção do efeito das luzes do anúncio em seu braço. d) à falta de atenção aos que se encontravam ali reunidos. e) à alegria da roda de amigos que falavam de política e de pintura.